Ignorar um mandado de captura do TPI seria uma violação das obrigações internacionais e prejudicaria a reputação da Hungria, disse Věra Jourová à Euronews.
A Comissão Europeia emitiu uma advertência incisiva a Viktor Orbán, depois de o primeiro-ministro húngaro ter anunciado que iria convidar o seu homólogo israelita, Benjamin Netanyahu, e ignorar o mandado de captura do Tribunal Penal Internacional (TPI).
Ignorar a ordem violaria as obrigações internacionais e causaria danos à reputação, disse Věra Jourová, uma das vice-presidentes da Comissão.
O TPI disse na quinta-feira que havia "motivos razoáveis" para acreditar que Netanyahu e o seu ex-ministro da Defesa, Yoav Gallant, tinham cometido crimes de guerra e crimes contra a humanidade ao limitar a ajuda humanitária e atingir civis durante a campanha militar de Israel na Faixa de Gaza.
O tribunal também emitiu um mandado de captura contra Mohammed Deif, o mais alto comandante da ala militar do Hamas - Israel diz ter morto Deif, mas o Hamas não o confirmou.
Orbán, um aliado próximo de Netanyahu, criticou a decisão como "escandalosamente impudente" e "cínica", e acusou o TPI de "interferir num conflito em curso para fins políticos".
Embora a maioria dos países da UE tenha dito que cumpriria o mandado de captura, Orbán rompeu as fileiras e convidou Netanyahu a visitar a Hungria sem enfrentar repercussões.
"Vamos desafiar esta decisão e isso não terá consequências para ele", afirmou.
Os comentários de Orbán fizeram rapidamente manchetes e mereceram uma repreensão de Věra Jourová, vice-presidente da Comissão Europeia para os valores e a transparência, que tem entrado frequentemente em conflito com o governo de Budapeste.
"Os políticos responsáveis estão conscientes dos seus compromissos internacionais", disse Jourová numa entrevista à Euronews.
A Hungria, tal como todos os Estados-membros da UE, é parte do Estatuto de Roma, o tratado de 1998 que estabeleceu as tarefas e a jurisdição do TPI. Atualmente, 125 Estados fazem parte do tratado. Entre as ausências notáveis contam-se Israel, os EUA, a Rússia, a China e a Índia.
Espera-se que todos os signatários do tratado cumpram os mandados de captura emitidos pelo tribunal. O Tribunal de Haia não dispõe de meios para fazer cumprir as suas decisões e depende dos Estados para fornecer os recursos necessários, nomeadamente colocando sob prisão qualquer suspeito que entre no seu território.
Ignorar o mandado será uma "violação óbvia do acordo", avisou Jourová.
"As partes têm de respeitar as decisões do tribunal. Por isso, é uma decisão vinculativa do Tribunal Penal Internacional para todos os países que ainda são signatários, incluindo a Hungria", acrescentou, fazendo eco das palavras do Alto Representante Josep Borrell.
"Sempre que um país viola os seus compromissos nestas instituições internacionais, é sempre o momento que prejudica a reputação desse país. Por isso, não posso fazer previsões em termos processuais, mas penso que a imagem da Hungria poderá ser afetada de alguma forma".
No entanto, a Hungria não é o único país da UE a pôr em causa o mandado de captura de Netayanhu. A Áustria e a Chéquia, dois dos mais fortes apoiantes de Israel no bloco, também manifestaram reações críticas, embora menos desafiantes.
A Alemanha, por seu turno, enviou sinais contraditórios. Annalena Baerbock, ministra dos Negócios Estrangeiros, disse que o país iria respeitar a lei "a nível europeu e internacional", mas evitou entrar em cenários "teóricos". Steffen Hebestreit, o principal porta-voz do governo federal, foi mais descomprometido e disse aos jornalistas: "Acho difícil imaginar que faríamos detenções nesta base".
Esta não é a primeira vez que Orbán se aproxima de um dirigente procurado pelo TPI.
Em julho, o primeiro-ministro húngaro provocou uma enorme reação quando viajou para Moscovo e se encontrou com o presidente russo Vladimir Putin, que o tribunal acusou de crimes de guerra pela deportação e transferência forçada de crianças ucranianas.