A Eslovénia pediu a intervenção de Bruxelas depois de os Estados Unidos terem visado uma cidadã do país, a juíza Beti Hohler, no âmbito de novas sanções contra o TPI.
A União Europeia lamentou veementemente que os Estados Unidos tenham sancionado quatro juízes do Tribunal Penal Internacional (TPI), incluindo uma cidadã do bloco, a eslovena Beti Hohler, aprofundando ainda mais o fosso entre os aliados transatlânticos.
As sanções, que também visam cidadãos do Benim, Uganda e Peru, foram anunciadas na quinta-feira pelo secretário de Estado norte-americano Marco Rubio, que disse que a decisão se baseava nas investigações "infundadas e politizadas" do tribunal sobre crimes de guerra alegadamente cometidos pelas forças norte-americanas no Afeganistão e por Israel na Faixa de Gaza.
A segunda investigação conduziu à emissão de mandados de captura contra o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Natayanhu, e o antigo ministro da Defesa, Yoav Gallant. A juíza Hohler pronunciou-se a favor de tais ordens.
Em consequência das medidas, os quatro juízes não poderão aceder aos seus bens e propriedades em solo americano e serão impedidos de efetuar transações com entidades americanas. As proibições correm o risco de prejudicar a capacidade de os magistrados desempenharem o seu trabalho quotidiano.
"Apelamos aos nossos aliados para que se juntem a nós contra este ataque vergonhoso", afirmou Rubio.
Um apelo que originou uma reação oposta ao desejado: apoio enfático ao tribunal com sede em Haia e rejeição vigorosa das sanções.
"O TPI responsabiliza os autores dos crimes mais graves a nível mundial e dá voz às vítimas. Deve ser livre para atuar sem pressões", afirmou Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia.
"Defenderemos sempre a justiça global e o respeito pelo direito internacional."
Já António Costa, presidente do Conselho Europeu, expressou uma mensagem semelhante.
"A UE apoia firmemente o Tribunal Penal Internacional, uma pedra angular da justiça internacional", escreveu Costa, nas redes sociais.
O TPI "não se opõe às nações - opõe-se à impunidade. Temos de proteger a sua independência e integridade. O Estado de direito deve prevalecer sobre o Estado de poder".
Os Países Baixos, que são o país anfitrião do TPI, também expressaram uma forte condenação, sublinhando que o trabalho do tribunal deve permanecer "tão livre quanto possível".
"Os Países Baixos desaprovam as novas sanções contra os funcionários do Tribunal Penal Internacional", declarou o ministro dos Negócios Estrangeiros neerlandês, Caspar Veldkamp.
"Os tribunais internacionais independentes devem poder realizar o seu trabalho sem entraves. Apoiamos firmemente o Tribunal."
Efeitos extraterritoriais
Rejeitando o que classifica como sendo as "pressões externas sobre as instituições judiciais", o governo esloveno afirmou queiria fornecer à juíza Beti Hohler "todo o apoio necessário para o desempenho do seu mandato na situação atual".
O país apelou a Bruxelas para que ativasse imediatamente o chamado estatuto de bloqueio, um regulamento com décadas de existência destinado a proteger os indivíduos e as empresas da UE da aplicação extraterritorial de sanções por parte de países terceiros.
A lei foi introduzida em reação às sanções impostas por Washington em 1996 contra Cuba, o Irão e a Líbia, que tiveram efeitos em cadeia sobre os operadores europeus que mantinham relações comerciais legítimas com os três países, em especial com Cuba.
O estatuto de bloqueio voltou à ribalta em 2018, quando a primeira istração de Donald Trump se retirou do acordo nuclear com o Irão, reintroduziu sanções que tinham sido anteriormente levantadas e ameaçou punir as empresas que fizessem negócios com Teerão, independentemente da sua localização geográfica ou propriedade.
Embora Bruxelas tenha tentado atenuar o impacto negativo destas sanções secundárias, muitas empresas europeias cortaram voluntariamente relações com o Irão por receio de perder o o ao mercado americano, altamente lucrativo e baseado no dólar.
Um porta-voz da Comissão afirmou que o executivo iria “acompanhar de perto as implicações antes de decidir sobre quaisquer próximos os”, como a ativação do estatuto de bloqueio, que é uma prerrogativa da Comissão mas depende de uma maioria qualificada entre os Estados-membros. “Temos de dar um o de cada vez”, afirmou o porta-voz.
Em comunicado, o TPI insistiu que “continuará o seu trabalho sem se deixar intimidar, em estrita conformidade com o Estatuto de Roma e com os princípios da equidade e do processo equitativo”.
"Visar aqueles que trabalham em prol da responsabilização não contribui em nada para ajudar os civis encurralados no conflito. Apenas encoraja aqueles que acreditam que podem atuar com impunidade", afirmou.
"Estas sanções não são apenas dirigidas a indivíduos designados, mas também a todos aqueles que apoiam o Tribunal, incluindo cidadãos e entidades empresariais dos Estados Partes. São dirigidas contra vítimas inocentes de todo o tipo de situações perante o Tribunal".
Os Estados Unidos, que não são signatários do Estatuto de Roma de 1998, mantêm desde há muito relações tensas com o TPI, encarando com desconfiança a sua capacidade de conduzir investigações sobre cidadãos de todo o mundo. O mandado de captura contra Netanyahu foi recebido com uma condenação bipartidária em Washington e motivou um novo ataque por parte da istração Trump.
No início deste ano, a Hungria desafiou abertamente o TPI, ignorando o mandado e convidando Netanyahu a visitar Budapeste. Mais tarde, a Hungria anunciou a sua intenção de se retirar do Estatuto de Roma, tornando-se o primeiro Estado integrante a fazê-lo.