{ "@context": "https://schema.org/", "@graph": [ { "@type": "NewsArticle", "mainEntityOfPage": { "@type": "Webpage", "url": "/my-europe/2023/05/16/breve-historia-do-tortuoso-caminho-da-turquia-para-aderir-a-uniao-europeia" }, "headline": "Breve hist\u00f3ria do tortuoso caminho da Turquia para aderir \u00e0 Uni\u00e3o Europeia", "description": "A ambi\u00e7\u00e3o da Turquia ou por v\u00e1rios altos e baixos desde que a candidatura \u00e0 Uni\u00e3o Europeia foi apresentada em 1987. O pa\u00eds de quase 85 milh\u00f5es de habitantes det\u00e9m o recorde do mais longo processo de ades\u00e3o ao bloco e n\u00e3o parece haver desfecho \u00e0 vista.", "articleBody": "Nenhum pa\u00eds candidato \u00e0 Uni\u00e3o Europeia (UE), seja da Europa de Leste ou dos Balc\u00e3s Ocidentais, est\u00e1 sequer perto de igualar o longo percurso da Turquia para ser um Estado-membro. 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Nessa altura, Ancara j\u00e1 estava de olhos postos no projeto nascente de integra\u00e7\u00e3o europeia na Europa Ocidental. Em 1959, o pa\u00eds pediu para se tornar membro associado da Comunidade Econ\u00f3mica Europeia (CEE), pedido que lhe foi concedido quatro anos mais tarde. \u0022A Turquia faz parte da Europa\u0022, declarou Walter Hallstein, presidente da Comiss\u00e3o da CEE, durante a celebra\u00e7\u00e3o da do acordo de associa\u00e7\u00e3o, em setembro de 1963. \u0022\u00c9 um acontecimento sem paralelo na hist\u00f3ria da influ\u00eancia exercida pela cultura e pela pol\u00edtica europeias. Diria mesmo que sentimos nele um certo parentesco com o mais moderno dos desenvolvimentos europeus: a unifica\u00e7\u00e3o da Europa\u0022, acrescentou\u00a0 Hallstein. Mas um primeiro grande obst\u00e1culo surgiu no ver\u00e3o de 1974, quando as tropas turcas invadiram a parte norte de Chipre, em resposta a um golpe de Estado patrocinado pela junta militar grega. O conflito dividiu a ilha ao meio, que ainda hoje emsombra os sonhos europeus da Turquia. Uma declara\u00e7\u00e3o h\u00e1 muito esperada No entanto, o acordo de associa\u00e7\u00e3o proporcionou a Ancara uma base s\u00f3lida para avan\u00e7ar gradualmente. Em 1987, a Turquia apresentou formalmente o seu pedido de ades\u00e3o \u00e0 CEE, ent\u00e3o composta por 12 membros, incluindo a Gr\u00e9cia. Nessa altura, o PIB per capita da Turquia era de 1700 d\u00f3lares, muito longe dos mais de 16 mil d\u00f3lares da Alemanha e da Fran\u00e7a. O enorme fosso econ\u00f3mico, associado ao colapso da Uni\u00e3o Sovi\u00e9tica, \u00e0 reunifica\u00e7\u00e3o da Alemanha e \u00e0 persist\u00eancia de m\u00e1s rela\u00e7\u00f5es com Chipre e com a Gr\u00e9cia, atrasou a candidatura de Ancara. Durante este per\u00edodo, esperava-se que a Turquia levasse a cabo reformas adicionais para cumprir os chamados crit\u00e9rios de Copenhaga, as regras fundamentais que determinam a elegibilidade de um pa\u00eds para aderir \u00e0 UE. Os crit\u00e9rios, estabelecidos em 1993, imp\u00f5em normas em mat\u00e9ria de democracia, Estado de direito, direitos humanos, prote\u00e7\u00e3o das minorias e economia de mercado aberta. Entretanto, Bruxelas ofereceu a Ancara um o interm\u00e9dio, sob a forma de uma uni\u00e3o aduaneira para o com\u00e9rcio de mercadorias, com excep\u00e7\u00e3o da agricultura, do carv\u00e3o e do a\u00e7o, que se tornou plenamente operacional no in\u00edcio de 1996. S\u00f3 em dezembro de 1999, durante o Conselho Europeu de Hels\u00ednquia, \u00e9 que os dirigentes da UE declararam, unanimemente, a Turquia como pa\u00eds candidato. \u0022A Turquia \u00e9 um Estado candidato destinado a aderir \u00e0 Uni\u00e3o com base nos mesmos crit\u00e9rios que os aplicados aos outros Estados candidatos\u0022, escreveram os l\u00edderes nas suas conclus\u00f5es conjuntas. A declara\u00e7\u00e3o n\u00e3o foi meramente ret\u00f3rica: deu \u00e0 Turquia o a milh\u00f5es de fundos da UE a t\u00edtulo de assist\u00eancia de pr\u00e9-ades\u00e3o. A capacidade de absor\u00e7\u00e3o Com o alargamento de 2004, a UE avan\u00e7ou decisivamente para Leste e acolheu mais dez membros, muitos dos quais tinham estado na esfera da Uni\u00e3o Sovi\u00e9tica. Para Ancara, foi uma situa\u00e7\u00e3o embara\u00e7osa: o pa\u00eds tinha apresentado a sua candidatura muito antes de qualquer um dos rec\u00e9m-chegados, incluindo Chipre, e continuava \u00e0 espera do in\u00edcio do processo de ades\u00e3o. Em 2005, o Conselho adoptou finalmente o quadro de negocia\u00e7\u00f5es, um documento de nove p\u00e1ginas repleto de refer\u00eancias ao Estado de direito, \u00e0 \u0022capacidade de absor\u00e7\u00e3o\u0022 da UE, \u00e0 import\u00e2ncia das \u0022rela\u00e7\u00f5es de boa vizinhan\u00e7a\u0022 e \u00e0 poss\u00edvel suspens\u00e3o das conversa\u00e7\u00f5es. \u0022O objetivo comum das negocia\u00e7\u00f5es \u00e9 a ades\u00e3o. Estas negocia\u00e7\u00f5es s\u00e3o um processo em aberto, cujo resultado n\u00e3o pode ser garantido de antem\u00e3o\u0022, diz o documento. \u0022Se a Turquia n\u00e3o estiver em condi\u00e7\u00f5es de assumir plenamente todas as obriga\u00e7\u00f5es decorrentes da ades\u00e3o, deve ser assegurado que a Turquia esteja plenamente ancorada nas estruturas europeias atrav\u00e9s de um v\u00ednculo t\u00e3o forte quanto poss\u00edvel\u0022, era outra afirma\u00e7\u00e3o. O quadro serviu de orienta\u00e7\u00e3o para a Comiss\u00e3o Europeia, que foi incumbida de dirigir as negocia\u00e7\u00f5es, divididas em 35 cap\u00edtulos. \u00c9 uma tarefa muito complexa que tem por objetivo alinhar o candidato com todas as regras da UE. O cap\u00edtulo relativo \u00e0 ci\u00eancia e \u00e0 investiga\u00e7\u00e3o foi o primeiro a ser aberto em 2006, tendo sido provisoriamente conclu\u00eddo nesse mesmo ano. Na d\u00e9cada que se seguiu, a Turquia, sob a lideran\u00e7a de Recep Tayyip Erdo\u011fan, conseguiu abrir mais 15 cap\u00edtulos, ma s nenhum foi encerrado. Imobiliza\u00e7\u00e3o total A d\u00e9cada de 2000 marcou um per\u00edodo de crescimento econ\u00f3mico na Turquia: o PIB per capita mais do que triplicou, ando de 3100 d\u00f3lares em 2001 para 10 615 d\u00f3lares em 2010, enquanto os servi\u00e7os se expandiram rapidamente gra\u00e7as a setores como os transportes, o turismo e as finan\u00e7as, aprofundando a moderniza\u00e7\u00e3o do pa\u00eds. Ainda assim, a evolu\u00e7\u00e3o n\u00e3o foi suficiente para ultraar as tens\u00f5es no Mediterr\u00e2neo e as crescentes retic\u00eancias dos l\u00edderes da UE, alguns dos quais come\u00e7aram a sugerir que a ades\u00e3o\u00a0 poderia ser substitu\u00edda por uma \u0022parceria privilegiada\u0022. \u0022Entre a ades\u00e3o e a parceria (especial), que a Turquia diz n\u00e3o aceitar, h\u00e1 um caminho de equil\u00edbrio que podemos encontrar\u0022, disse o presidente franc\u00eas Nicolas Sarkozy em 2011. \u0022A melhor maneira de sair daquilo que arrisca ser um grande ime \u00e9 encontrar um compromisso.\u0022 Em resposta \u00e0s palavras cautelosas dos governos de Paris, Berlim e Viena, Erdo\u011fan contrap\u00f4es que esperava que a ades\u00e3o fosse conclu\u00edda at\u00e9 2023, para coincidir com o 100\u00ba anivers\u00e1rio da rep\u00fablica. A crise migrat\u00f3ria de 2015-2016 deu \u00e0 Turquia uma vantagem pol\u00edtica como o pa\u00eds que se interpunha entre o bloco e milh\u00f5es de refugiados s\u00edrios e afeg\u00e3os. Mas as coisas azedaram ap\u00f3s a tentativa de golpe de Estado de julho de 2016, um epis\u00f3dio cr\u00edtico que levou Erdo\u011fan a refor\u00e7ar o seu controlo do poder e a consolidar o que os cr\u00edticos denunciaram como um governo autocr\u00e1tico. Em novembro desse ano, os deputados do Parlamento Europeu aprovaram uma resolu\u00e7\u00e3o que criticava as \u0022medidas repressivas desproporcionadas\u0022 introduzidas durante o estado de emerg\u00eancia e apelava a um \u0022congelamento tempor\u00e1rio\u0022 das conversa\u00e7\u00f5es de ades\u00e3o. O referendo de 2017 para instalar um sistema presidencial unit\u00e1rio que concede ao chefe de Estado vastos poderes executivos prejudicou ainda mais a candidatura de Ancara e alimentou as cr\u00edticas dos funcion\u00e1rios e legisladores da UE, tendo alguns questionado mesmo se a Turquia ainda poderia ser considerada um candidato eleg\u00edvel de acordo com os crit\u00e9rios de Copenhaga. A r\u00e1pida deteriora\u00e7\u00e3o culminou em junho de 2018, quando os Estados-Membros suspenderam as negocia\u00e7\u00f5es. \u0022O Conselho regista que a Turquia se tem vindo a afastar cada vez mais da Uni\u00e3o Europeia\u0022, l\u00ea-se nas conclus\u00f5es de uma reuni\u00e3o realizada em junho de 2018. \u0022Por conseguinte, as negocia\u00e7\u00f5es de ades\u00e3o da Turquia est\u00e3o efectivamente paralisadas e n\u00e3o pode ser considerada a abertura ou o encerramento de mais nenhum cap\u00edtulo.\u0022 Desde ent\u00e3o, os progressos t\u00eam sido quase inexistentes. Livre da expectativa de ter de cumprir as normas da UE, Erdo\u011fan intensificou cr\u00edticas contra o Ocidente, ordenou opera\u00e7\u00f5es de perfura\u00e7\u00e3o controversas na zona oriental do mar Mediterr\u00e2neo para obter combust\u00edveis e manteve la\u00e7os ativos com Vladimir Putin, apesar da invas\u00e3o em grande escala da Ucr\u00e2nia pela R\u00fassia. Os la\u00e7os com Bruxelas foram de tal forma desfeitos que a Turquia \u00e9 agora suspeita de ajudar a R\u00fassia a escapar \u00e0s san\u00e7\u00f5es da UE. O relat\u00f3rio sobre o alargamento de 2022, publicado pela Comiss\u00e3o Europeia, faz um balan\u00e7o sombrio da situa\u00e7\u00e3o atual. \u0022O governo turco n\u00e3o inverteu a tend\u00eancia negativa em rela\u00e7\u00e3o \u00e0s reformas, apesar do seu compromisso reiterado com a ades\u00e3o \u00e0 UE\u0022, l\u00ea-se no relat\u00f3rio. \u0022As s\u00e9rias preocupa\u00e7\u00f5es da UE sobre a deteriora\u00e7\u00e3o cont\u00ednua da democracia, do Estado de direito, dos direitos fundamentais e da independ\u00eancia do poder judicial n\u00e3o foram abordadas.\u0022 ", "dateCreated": "2023-05-16T10:33:03+02:00", "dateModified": "2023-05-21T16:22:09+02:00", "datePublished": "2023-05-16T16:20:55+02:00", "image": { "@type": "ImageObject", "url": "https://image.staticox.com/?url=https%3A%2F%2Fstatic.euronews.com%2Farticles%2Fstories%2F07%2F60%2F74%2F56%2F1440x810_cmsv2_9f6b9402-0971-5ef0-a5f4-0907a53cc208-7607456.jpg", "width": 1440, "height": 810, "caption": "A coliga\u00e7\u00e3o da oposi\u00e7\u00e3o promete ter uma atitude mais pr\u00f3-europeia e reclamar o papel do pa\u00eds na cena Ocidental", "thumbnail": "https://image.staticox.com/?url=https%3A%2F%2Fstatic.euronews.com%2Farticles%2Fstories%2F07%2F60%2F74%2F56%2F432x243_cmsv2_9f6b9402-0971-5ef0-a5f4-0907a53cc208-7607456.jpg", "publisher": { "@type": "Organization", "name": "euronews", "url": "https://image.staticox.com/?url=https%3A%2F%2Fstatic.euronews.com%2Fwebsite%2Fimages%2Feuronews-logo-main-blue-403x60.png" } }, "author": [ { "@type": "Person", "familyName": "Liboreiro", "givenName": "Jorge", "name": "Jorge Liboreiro", "url": "/perfis/1858", "worksFor": { "@type": "Organization", "name": "Euronews", "url": "/", "logo": { "@type": "ImageObject", "url": "https://image.staticox.com/?url=https%3A%2F%2Fstatic.euronews.com%2Fwebsite%2Fimages%2Feuronews-logo-main-blue-403x60.png", "width": 403, "height": 60 }, "sameAs": [ "https://www.facebook.com/pt.euronews", "https://twitter.com/euronewspt", "https://flipboard.com/@euronewspt", "https://www.linkedin.com/company/euronews" ] }, "sameAs": "https://www.x.com/@JorgeLiboreiro", "memberOf": { "@type": "Organization", "name": "Correspondant \u00e0 Bruxelles" } } ], "publisher": { "@type": "Organization", "name": "Euronews", "legalName": "Euronews", "url": "/", "logo": { "@type": "ImageObject", "url": "https://image.staticox.com/?url=https%3A%2F%2Fstatic.euronews.com%2Fwebsite%2Fimages%2Feuronews-logo-main-blue-403x60.png", "width": 403, "height": 60 }, "sameAs": [ "https://www.facebook.com/pt.euronews", "https://twitter.com/euronewspt", "https://flipboard.com/@euronewspt", "https://www.linkedin.com/company/euronews" ] }, "articleSection": [ "Not\u00edcias da Europa" ], "isAccessibleForFree": "False", "hasPart": { "@type": "WebPageElement", "isAccessibleForFree": "False", "cssSelector": ".poool-content" } }, { "@type": "WebSite", "name": "Euronews.com", "url": "/", "potentialAction": { "@type": "SearchAction", "target": "/search?query={search_term_string}", "query-input": "required name=search_term_string" }, "sameAs": [ "https://www.facebook.com/pt.euronews", "https://twitter.com/euronewspt", "https://flipboard.com/@euronewspt", "https://www.linkedin.com/company/euronews" ] } ] }
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Breve história do tortuoso caminho da Turquia para aderir à União Europeia

A coligação da oposição promete ter uma atitude mais pró-europeia e reclamar o papel do país na cena Ocidental
A coligação da oposição promete ter uma atitude mais pró-europeia e reclamar o papel do país na cena Ocidental Direitos de autor OSMAN ORSAL/AP2006
Direitos de autor OSMAN ORSAL/AP2006
De Jorge Liboreiro & Isabel Marques da Silva
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A ambição da Turquia ou por vários altos e baixos desde que a candidatura à União Europeia foi apresentada em 1987. O país de quase 85 milhões de habitantes detém o recorde do mais longo processo de adesão ao bloco e não parece haver desfecho à vista.

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Nenhum país candidato à União Europeia (UE), seja da Europa de Leste ou dos Balcãs Ocidentais, está sequer perto de igualar o longo percurso da Turquia para ser um Estado-membro. O pedido oficial foi feito a 14 de abril de 1987, para fazer parte da então Comunidade Económica Europeia (CEE). 

Após uma sucessão contínua de altos e baixos, promessas e ameaças, tornou-se evidente que a adesão da Turquia é um caso único de política que Bruxelas ainda não consegue gerir.

Para compreender as ambições da Turquia na UE, é preciso recuar até aos tempos de Mustafa Kemal Atatürk, o líder revolucionário que resistiu à divisão do país após a Primeira Guerra Mundial e obrigou os Aliados vitoriosos a negociar condições favoráveis no âmbito do Tratado de Lausana.

Este facto abriu caminho à proclamação da República da Turquia, a 29 de outubro de 1923, com um sistema parlamentar de partido único e um Presidente, o próprio Atatürk. O chefe de Estado lançou uma série intensa e rápida de reformas para construir um país moderno e ocidentalizado.

No espaço de uma década, a recém-formada república assistiu à abolição do Califado, à introdução de um alfabeto de escrita latina, a uma série de leis de inspiração europeia, a mudanças drásticas nos códigos de vestuário e a promulgação do secularismo na Constituição.

A transformação radical deu os seus frutos. Em 1949, a Turquia foi um dos primeiros países a aderir ao Conselho da Europa, a organização de defesa dos direitos humanos sediada em Estrasburgo (França). Em 1952, tornou-se membro da NATO, a aliança militar transatlântica criada em oposição direta à União Soviética.

"A Turquia faz parte da Europa. É um acontecimento sem paralelo na história da influência exercida pela cultura e pela política europeias. Diria mesmo que sentimos nele um certo parentesco com o mais moderno dos desenvolvimentos europeus: a unificação da Europa.
Walter Hallstein
Presidente da Comissão da CEE, setembro de 1963

Nessa altura, Ancara já estava de olhos postos no projeto nascente de integração europeia na Europa Ocidental. Em 1959, o país pediu para se tornar membro associado da Comunidade Económica Europeia (CEE), pedido que lhe foi concedido quatro anos mais tarde.

"A Turquia faz parte da Europa", declarou Walter Hallstein, presidente da Comissão da CEE, durante a celebração da do acordo de associação, em setembro de 1963.

"É um acontecimento sem paralelo na história da influência exercida pela cultura e pela política europeias. Diria mesmo que sentimos nele um certo parentesco com o mais moderno dos desenvolvimentos europeus: a unificação da Europa", acrescentou  Hallstein.

Mas um primeiro grande obstáculo surgiu no verão de 1974, quando as tropas turcas invadiram a parte norte de Chipre, em resposta a um golpe de Estado patrocinado pela junta militar grega. O conflito dividiu a ilha ao meio, que ainda hoje emsombra os sonhos europeus da Turquia.

Uma declaração há muito esperada

No entanto, o acordo de associação proporcionou a Ancara uma base sólida para avançar gradualmente.

Em 1987, a Turquia apresentou formalmente o seu pedido de adesão à CEE, então composta por 12 membros, incluindo a Grécia. Nessa altura, o PIB per capita da Turquia era de 1700 dólares, muito longe dos mais de 16 mil dólares da Alemanha e da França.

O enorme fosso económico, associado ao colapso da União Soviética, à reunificação da Alemanha e à persistência de más relações com Chipre e com a Grécia, atrasou a candidatura de Ancara.

Durante este período, esperava-se que a Turquia levasse a cabo reformas adicionais para cumprir os chamados critérios de Copenhaga, as regras fundamentais que determinam a elegibilidade de um país para aderir à UE. Os critérios, estabelecidos em 1993, impõem normas em matéria de democracia, Estado de direito, direitos humanos, proteção das minorias e economia de mercado aberta.

Entretanto, Bruxelas ofereceu a Ancara um o intermédio, sob a forma de uma união aduaneira para o comércio de mercadorias, com excepção da agricultura, do carvão e do aço, que se tornou plenamente operacional no início de 1996.

Só em dezembro de 1999, durante o Conselho Europeu de Helsínquia, é que os dirigentes da UE declararam, unanimemente, a Turquia como país candidato.

"A Turquia é um Estado candidato destinado a aderir à União com base nos mesmos critérios que os aplicados aos outros Estados candidatos", escreveram os líderes nas suas conclusões conjuntas.

A declaração não foi meramente retórica: deu à Turquia o a milhões de fundos da UE a título de assistência de pré-adesão.

FRITZ REISS/2006 AP
Ex-chanceler alemã Angela Merkel com ErdoganFRITZ REISS/2006 AP

A capacidade de absorção

Com o alargamento de 2004, a UE avançou decisivamente para Leste e acolheu mais dez membros, muitos dos quais tinham estado na esfera da União Soviética.

Para Ancara, foi uma situação embaraçosa: o país tinha apresentado a sua candidatura muito antes de qualquer um dos recém-chegados, incluindo Chipre, e continuava à espera do início do processo de adesão.

Em 2005, o Conselho adoptou finalmente o quadro de negociações, um documento de nove páginas repleto de referências ao Estado de direito, à "capacidade de absorção" da UE, à importância das "relações de boa vizinhança" e à possível suspensão das conversações.

"O objetivo comum das negociações é a adesão. Estas negociações são um processo em aberto, cujo resultado não pode ser garantido de antemão", diz o documento.

"Se a Turquia não estiver em condições de assumir plenamente todas as obrigações decorrentes da adesão, deve ser assegurado que a Turquia esteja plenamente ancorada nas estruturas europeias através de um vínculo tão forte quanto possível", era outra afirmação.

O quadro serviu de orientação para a Comissão Europeia, que foi incumbida de dirigir as negociações, divididas em 35 capítulos. É uma tarefa muito complexa que tem por objetivo alinhar o candidato com todas as regras da UE.

O capítulo relativo à ciência e à investigação foi o primeiro a ser aberto em 2006, tendo sido provisoriamente concluído nesse mesmo ano. Na década que se seguiu, a Turquia, sob a liderança de Recep Tayyip Erdoğan, conseguiu abrir mais 15 capítulos, mas nenhum foi encerrado.

"Entre a adesão e a parceria (especial), que a Turquia diz não aceitar, há um caminho de equilíbrio que podemos encontrar. A melhor maneira de sair daquilo que arrisca ser um grande ime é encontrar um compromisso.
Nicolas Sarkozy
Presidente francês, em 2011

Imobilização total

A década de 2000 marcou um período de crescimento económico na Turquia: o PIB per capita mais do que triplicou, ando de 3100 dólares em 2001 para 10 615 dólares em 2010, enquanto os serviços se expandiram rapidamente graças a setores como os transportes, o turismo e as finanças, aprofundando a modernização do país.

Ainda assim, a evolução não foi suficiente para ultraar as tensões no Mediterrâneo e as crescentes reticências dos líderes da UE, alguns dos quais começaram a sugerir que a adesão  poderia ser substituída por uma "parceria privilegiada".

"Entre a adesão e a parceria (especial), que a Turquia diz não aceitar, há um caminho de equilíbrio que podemos encontrar", disse o presidente francês Nicolas Sarkozy em 2011. "A melhor maneira de sair daquilo que arrisca ser um grande ime é encontrar um compromisso."

Em resposta às palavras cautelosas dos governos de Paris, Berlim e Viena, Erdoğan contrapôes que esperava que a adesão fosse concluída até 2023, para coincidir com o 100º aniversário da república. A crise migratória de 2015-2016 deu à Turquia uma vantagem política como o país que se interpunha entre o bloco e milhões de refugiados sírios e afegãos.

Mas as coisas azedaram após a tentativa de golpe de Estado de julho de 2016, um episódio crítico que levou Erdoğan a reforçar o seu controlo do poder e a consolidar o que os críticos denunciaram como um governo autocrático.

Em novembro desse ano, os deputados do Parlamento Europeu aprovaram uma resolução que criticava as "medidas repressivas desproporcionadas" introduzidas durante o estado de emergência e apelava a um "congelamento temporário" das conversações de adesão.

O referendo de 2017 para instalar um sistema presidencial unitário que concede ao chefe de Estado vastos poderes executivos prejudicou ainda mais a candidatura de Ancara e alimentou as críticas dos funcionários e legisladores da UE, tendo alguns questionado mesmo se a Turquia ainda poderia ser considerada um candidato elegível de acordo com os critérios de Copenhaga.

A rápida deterioração culminou em junho de 2018, quando os Estados-Membros suspenderam as negociações.

"O Conselho regista que a Turquia se tem vindo a afastar cada vez mais da União Europeia", lê-se nas conclusões de uma reunião realizada em junho de 2018. "Por conseguinte, as negociações de adesão da Turquia estão efectivamente paralisadas e não pode ser considerada a abertura ou o encerramento de mais nenhum capítulo."

Desde então, os progressos têm sido quase inexistentes.

Livre da expectativa de ter de cumprir as normas da UE, Erdoğan intensificou críticas contra o Ocidente, ordenou operações de perfuração controversas na zona oriental do mar Mediterrâneo para obter combustíveis e manteve laços ativos com Vladimir Putin, apesar da invasão em grande escala da Ucrânia pela Rússia.

Os laços com Bruxelas foram de tal forma desfeitos que a Turquia é agora suspeita de ajudar a Rússia a escapar às sanções da UE.

O relatório sobre o alargamento de 2022, publicado pela Comissão Europeia, faz um balanço sombrio da situação atual.

"O governo turco não inverteu a tendência negativa em relação às reformas, apesar do seu compromisso reiterado com a adesão à UE", lê-se no relatório. "As sérias preocupações da UE sobre a deterioração contínua da democracia, do Estado de direito, dos direitos fundamentais e da independência do poder judicial não foram abordadas."

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